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"Porque Comparar Negros a Macacos Não Deve Ser Motivo de Piada", texto de autoria de Marcelo Montes Penha, originalmente publicado no blog: cúlti & pópi: Porque Comparar Negros a Macacos Não Deve Ser Motivo de Piada
Nas redes sociais, acontece muito de as pessoas atravessarem a rua para escorregar na casca de banana que está do outro lado. Foi o caso de Luciano Huck, quando decidiu dar sua contribuição para o repúdio ao ato racista sofrido pelo brasileiro Daniel Alves na Espanha – uma banana foi lançada no campo e o jogador de futebol, que é negro, a
Nas redes sociais, acontece muito de as pessoas atravessarem a rua para escorregar na casca de banana que está do outro lado. Foi o caso de Luciano Huck, quando decidiu dar sua contribuição para o repúdio ao ato racista sofrido pelo brasileiro Daniel Alves na Espanha – uma banana foi lançada no campo e o jogador de futebol, que é negro, a comeu.
Todavia, o apresentador da Globo resolveu atravessar a rua proverbial e lançar uma camiseta estampada com a palavra-de-ordem e uma releitura da banana gravada por Andy Warhol para uma capa de disco do Velvet Underground. A camiseta custava R$ 70, e Huck passou, assim, a fazer companhia à agência Loducca como alvo de acusações de oportunismo nas redes sociais da Internet. Huck passou até mesmo a sofrer ofensas ligando sua suposta ganância ao fato de ser judeu.
(Faça aqui uma pausa na leitura para contemplar o ridículo do acontecido: Huck sofreu discriminação religiosa por parte de pessoas que, em tese, estavam defendendo a autenticidade da luta contra o racismo.)
No fim das contas, o necessário e saudável debate sobre o racismo que permeia o futebol e todos os âmbitos da sociedade brasileira deu lugar a um bate-boca pedestre sobre a colonização das redes sociais na Internet pelo capital. Em menos de 12 horas, a campanha #somostodosmacacos gorou, devido à percepção de que seu enunciado não tinha origem na essência de Neymar como ser político, mas numa estratégia calculada por alquimistas da comunicação. Por outro lado, muitos participantes do movimento negro criticaram o slogan por reforçar estereótipos – até mesmo Daniel Alves, estopim da campanha, reprovou a escolha de palavras.
Uma das principais ferramentas de linguagem nas redes sociais da Internet são os memes, isto é, uma ideia, estilo ou ação que se dissemina no ciberespaço como um gene se espalha entre uma população no ambiente natural. Um meme pode ser uma frase, uma imagem, um hyperlink ou uma palavra-chave. Quando um meme se torna especialmente virulento, ou seja, ganha a capacidade de se propagar como uma epidemia, ele é chamado de “viral”. Tornar-se um viral é o principal objetivo, declarado ou não, das campanhas publicitárias em redes sociais. Mas a revelação de um viral como peça publicitária neutraliza sua capacidade de reprodução. Por isso, eles normalmente são assinados por seus criadores somente após atingirem o ápice da meia-vida.
A reação negativa ao meme #somostodosmacacos parece derivar do fato de ele ter sido interpretado, inicialmente, como um viral espontâneo. Ao descobrirem que se tratava de uma campanha publicitária, calculada, alguns participantes das redes sociais podem ter sentido algo como aquele gosto amargo deixado por edulcorantes artificiais na boca após terminar o cafezinho. Nós queremos fazer campanha contra o racismo, mas queremos fazê-lo de forma espontânea, sem a sensação de estarmos sendo manipulados por forças ocultas. Esse dado jogou todas as manifestações de celebridades a respeito do racismo sofrido por Daniel Alves no campo do oportunismo, fossem elas oportunistas ou autênticas.
E daí Huck decidiu dar o passo além, atravessar a rua e materializar o meme numa camiseta. A atitude foi interpretada como uma prova incontestável do oportunismo das ações englobadas pela hashtag #somostodosmacacos, e o debate público se desviou do racismo para a mercantilização da Internet.
Do ponto de vista dos efeitos sociais, não há muita diferença entre uma mensagem ser originada numa agência de publicidade, na sede duma ONG ou no computador do Zezinho. Se a mensagem estiver alinhada aos ideais democráticos e fomentar o debate na esfera pública, ótimo! Qualquer passo adiante é bem-vindo em questões como o racismo.
Mas do ponto de vista das estruturas sociais, todavia, a substituição da autenticidade do ser político individual pelo calculismo do aparato de relações públicas pode vir a deteriorar as próprias formas de interação das quais a esfera pública depende. Neste sentido, a constante tentativa de agências de publicidade de criarem virais pode gerar uma resposta excessiva dos sistemas de defesa cognitivos dos cidadãos, que podem desenvolver um quadro de alergia às mensagens circulantes na Internet. A constante frustração das expectativas pela descoberta de que um meme é uma tentativa comercialmente orquestrada de dirigir a esfera pública pode levar muitos cidadãos a desistirem de participar de qualquer debate.