No extremo sul da cidade de São Paulo, na aldeia Tenondé Porã, onde vive
parte da comunidade guarani, o coletivo Manifesto Crespo, formado por mulheres
negras, promoveu o evento “Tecendo e trançando arte”. O projeto, criado com a
finalidade de discutir a beleza verdadeira da mulher
brasileira através da quebra dos estereótipos que predominam na
moda e na mídia, levou até a comunidade indígena oficinas e atividades de
troca de saberes entre as mulheres presentes.
Dentro
de uma área de Mata Atlântica ainda preservada, as mulheres se uniram para
compartilhar costumes ancestrais e colocar em contato essas etnias diferentes,
mas com históricos comuns de luta, sofrimento e resistência. Em um ambiente
marcado pela diversidade, anfitriãs e visitantes fortaleceram os laços que
historicamente unem as duas culturas.
FOTO: Marina Fontanelli
“O
encontro nesse ambiente, junto aos povos originários foi escolhido porque a
aldeia conta com a Jerá Guarani, uma liderança feminina que nos dá orgulho e
que sabe que no passado existia muita união entre as comunidades negra e
indígena”, afirmaLúcia Udemezue, membra doManifesto Crespo. Segundo ela, o ativismo de Jerá
Guarani em diversos movimentos políticos fortalece a participação feminina na
aldeia. “Nós acreditamos que as pautas das nossas lutas se encontram de alguma
maneira e estamos juntos defendendo uma bandeira maior, em busca igualdade
pra que seja feita a justiça que não foi feita há séculos em nosso país”,
completa Udemezue.
FOTO: Semayat Oliveira
“Ao aprender as
amarrações para carregar os filhos percebi que nós fazemos da mesma forma que
os negros. Dá pra ver a semelhança entre a sabedoria milenar presente nas duas
partes”, diz Poty Porã, mulher guarani e professora da escola da aldeia.
Segundo ela, foi gratificante participar das atividades e aprender a fazer
turbantes e outras amarrações que foram ensinadas pelas integrantes do grupo.
Bonito é ser diferente
“As histórias das
mulheres negras brasileiras possuem relatos semelhantes: quando crianças tinham
o cabelo trançado pelos familiares,na juventude alisavae na idade adulta, há a busca por
assumir os crespos”, conta Denise Souza, educadora e integrante do Manifesto
Crespo. Para ela, as vivências organizadas encontram pontos em comum,
independente do lugar onde seja aplicada.
FOTO: Nathália Kamura
“A
mídia, atualmente, mostra sua agressividade porque estamos reagindo. Quanto
mais a gente combater, mais virá essa força contrária”, conta Lúcia Udemezue. O
projeto se propõe a mostrar a beleza da diversidade e da mulher negra, na luta
contra a mídia e a publicidade monocromática que insiste em explicitar em
propagandas, filmes e novelas um único tipo de mulher, de pele branca e cabelos
lisos.
“Quando fazemos esse tipo de atividade dá pra ver
queo olhar das pessoas muda e elas começam a enxergar a cultura negra
de outra forma”, pontua Thays Quadros, produtora do projeto. Ela
conta que o intuito do coletivo é passar as técnicas de tranças e turbantes de
geração em geração, incentivando as crianças a aprenderem essas tradições.
“Quando uma criança conhece a outra cultura, sabendo sobre as diferenças vai
olhar com outros olhos e apreciar a beleza da diversidade. Para combater o
racismo é preciso ensinar as pessoas a respeitar as diferenças”, completa.
Trançando e tecendo arte
Em 2014, o
Manifesto Crespo, em parceria com a União Popular de Mulheres do Campo Limpo,
foi contemplado com o “Prêmio Lélia Gonzalez – protagonismo de organizações de
mulheres negras”. A iniciativa propõe a realização do resgate da cultura
artística das tranças e turbantes afro em 5 cidades do estado, que contam
lideranças femininas representativas e tradições ligadas a cultura africana no
Brasil.
FOTO: Felipe Scapino
“Nosso
projeto começou com um grupo de mulheres jovens e negras que se reuniram para
discutir a questão de identidade através do cabelo”, conta Lucia
Udemezue. O impulso inicial para o nascimento do coletivo veio, segundo
ela, das dificuldades de aceitação do cabelo crespo. “Começamos a juntar várias
experiências para montar um projeto de cunho artístico, pedagógico e também
político. Para assim, criar um ambiente em que a gente pudesse compartilhar as
experiências e ouvir das mulheres como elas não aceitas em sociedade por conta
de um padrão de beleza imposto”, completa.
Texto originalmente publicado no síto Negro Belchior em 05/03/15.
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